Domínio Público


Crédito fácil by Gerson Freitas Jr.
21 fevereiro, 2008, 2:52 am
Filed under: economia, Gerson Freitas Jr.

Por Gerson Freitas Jr. 

“Você pode estar me dando um segundinho da sua atenção?”, perguntou a menina que calças laranjas e colete verde limão em frente a uma financeira. Fugi, confesso, empurrado não apenas pela pressa de quem está sempre lutando por três minutos que reduzam o atraso, mas pelo medo de aliciamento. Alguns metros à frente outro guri colorido, mais direto, pergunta: “Crédito pessoal, moço?”

Fiquei com a sensação que há algo muito errado com tanta oferta de dinheiro “fácil”, nas calçadas, nos outdoors do metrô, nas páginas dos jornais e horários pagos da TV. Os números também deixam uma pulga atrás da orelha. O Banco Central divulgou há algumas semanas que, só no passado, os empréstimos pessoais cresceram 33%.

Alguém pode argumentar, com alguma dose de razão, que esse aumento se explica pela queda na taxa de juros (que obriga os bancos a procurarem outros clientes tão bons quanto o governo) e o aumento do emprego e da renda que resultam do “espetáculo do crescimento”. E concluir que nenhuma economia se desenvolve sem boa oferta de crédito.

Também é verdade que, no Brasil, ainda falta dinheiro para financiar seja a compra de um carro, seja o aumento da produção de uma fábrica. Ao todo, a oferta de crédito respondeu por 34,7% de todas as nossas riquezas em 2007. Apesar de ser o melhor resultado em 12 anos, ainda está longe da média mundial, que gira em torno de 100%.

Portanto, o crescimento dos empréstimos é, a princípio, uma notícia positiva. Os problemas surgem quando a destrinchamos em pelo menos dois aspectos. O primeiro: o salário do trabalhador, que é baixo, não cresce no mesmo passo de seu endividamento. Pelo contrário, sua renda média caiu, descontada a inflação, 4,9% entre o segundo semestre de 2002 e os últimos seis meses do ano passado, segundo o IBGE. O segundo e mais importante: de acordo com a Anefac, a taxa de juros média para a pessoa física em dezembro foi de inescrupulosos 129,81% ao ano. No limite, portanto, o consumidor chega a pagar duas vezes o produto adquirido – diferença que fica com o sistema financeiro.

Logo, a expansão do consumo – principal responsável pelo crescimento do PIB no ano passado – está se dando à custa de uma brutal transferência de renda das famílias e do governo (via desconto para o pagamento de crédito consignado para funcionários públicos e aposentados) para o cofre dos bancos – o que ajuda a explicar seus lucros recordes no ano passado. É dinheiro migrando do consumo e do investimento para o pagamento de juros, o que resume a anemia econômica brasileira.

Por isso, quando uma menina sorridente em trajes coloridos de alguma financeira lhe pedir “um segundinho da sua atenção”, lembre-se: elas sempre querem algo mais.



Nosso atraso by Gerson Freitas Jr.

Por Gerson Freitas Jr. 

É incrível que o Brasil, agora integrante do “grupo de elite” do desenvolvimento humano, ainda esteja na terceira divisão do respeito aos direitos humanos. O jornal que noticia a entrada do País no grupo das nações com maior IDH é o mesmo que conta a história de uma menina de apenas 15 anos, presa em uma cela com 20 homens e obrigada a fazer sexo em troca de comida.

O Brasil parece caminhar para frente, rumo a tempos melhores do ponto de vista econômico e até social, mas vai devagar, como se acorrentado às bolas de ferro de seu passado autoritário, corrupto e escravagista. O País dá várias demonstrações de que, sim, avança, mas de que também se nega a tratar as chagas de seu atraso.

E não se trata de um atraso meramente econômico, pois não se pode chamar de pobre um país que desenvolve tecnologia de ponta e busca petróleo em águas profundas. Não se pode chamar de pobre um país que se coloca na posição de realizar uma Copa do Mundo. Não se pode chamar de pobre um país que reivindica para si uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Não se pode chamar de pobre um país que, afinal, possui um dos 10 maiores PIBs do mundo.

Nossa debilidade é, sobretudo, mental. Porque, em algum momento, alguém acha normal condenar uma menor de idade delinqüente como adulto. E alguém acha normal que, delinqüente, ela cumpra sua pena junto de delinqüentes homens (talvez alguém, entre os que pensam que “bandido bom é bandido morto”, achasse normal se também dissessem que bandido não tem sexo). Porque também há quem ache normal que o condenado seja vítima de abusos sexuais na cadeia, como parte integrante de sua condenação.

E, sobretudo, porque achamos, todos, normal que ninguém seja punido. Principalmente quando a vítima é quem é.



O Boom Imobiliário by Eduardo Simões
5 novembro, 2007, 1:26 pm
Filed under: boom, dia-a-dia, economia, Eduardo Simões

Por Eduardo Simões

Nunca um boom em um setor da economia foi tão barulhento quanto a recente explosão na indústria imobiliária. Não só pelo ingresso de incorporadoras e construtoras em bolsas de valores, atraindo centenas de milhões de reais em investimentos. Não só pelas propagandas barulhentas e repetitivas que tomam de assalto rádio e TV ao som de clássicos da Música Popular Brasileira. Não só pelos panfletos distribuídos nas ruas que acabarão colaborando com a próxima enchente entupindo algum bueiro.

Por muito mais que isso, e para se ter certeza disso basta morar o lado de um desses empreendimentos em construção. A coisa começa pouco depois das sete da manhã com a colocação de estacas de fundação do edifício. De repente o cidadão se pega sonhando com um bombardeio na Terceira Guerra Mundial, acorda assustado e percebe que o barulho não é do sonho, é de um pesadelo real.

Bom, vá lá, há que se ter tolerância, afinal quando eles decidiram derrubar o velho casarão para abrir o terreno para o prédio você suportou, por que não suportar agora novamente?

O problema, e aí vem mais uma da série ‘se fosse em Lisboa era piada’, é que por volta de dez, onze da manhã, quando todo mundo já acordou, eles param com o barulho. Não seria mais sensato fazer a parte “não-barulhenta” às sete da matina e a parte barulhenta já perto do meio-dia?

Enfim, o importante é que de noite tudo estará mais calmo. Estará? Não é bem assim. Ora, o que se pode fazer se o caminhão que recolhe entulho não pode entrar na rua durante o dia? Simples, ele entra de madrugada e tira o entulho do terreno e o sono da vizinhança. Som e imagem agradáveis no pé da sua janela às duas da manhã, nada como morar num bairro tranqüilo, onde todos os terrenos já estão tomados, pena que alguém inventou a demolição.

E o pior, o boom imobiliário, com todas as conseqüências, principalmente sonoras, da palavra boom, também tem produzido preços escandalosos e barulhentos. Imaginem só um apartamento de meros 76 metros quadrados e dois dormitórios à bagatela de 330 mil reais. É o boom, meu caro, é o boom. Só que uma hora ele explode, mais cedo ou mais tarde, mas explode.



O Brasil e a Copa by Gerson Freitas Jr.
1 agosto, 2007, 2:35 am
Filed under: economia, esportes, futebol brasileiro, Gerson Freitas Jr., infra-estrutura, Pan

Mal terminaram os jogos pan-americanos do Rio de Janeiro, e o Brasil já se prepara para tentar (de novo) sediar as Olimpíadas, em 2016. Mais, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) acaba de oficializar a candidatura do país para realizar a Copa do Mundo, dois anos antes – tudo com entusiasmado apoio do presidente Lula.

A realização de megaeventos esportivos foi quase sempre monopólio dos países desenvolvidos, que, afinal, têm estrutura e bastante dinheiro para investir nisso. Aos mais pobres, como o Brasil, restava olhar resignadamente pela TV as grandes arenas, as pomposas cerimônias de abertura, a organização impecável. E vislumbrar a vida em lugares onde as coisas pareciam funcionar de verdade.

Sim, Olimpíadas e Copas do Mundo sempre tiveram algo a ver com uma determinada imagem que nós, subdesenvolvidos, nunca poderíamos ostentar. Daí a dizer que o Brasil jamais poderia realizar qualquer evento esportivo, porque nossas cidades são sujas e violentas, o trânsito é caótico, os estádios velhos e sucateados. Há, claro, grande verdade nisso, mas exacerbada por um complexo de inferioridade que nos persegue faz tempo.

O Pan-americano do Rio de Janeiro parece ter mudado um pouco esse sentimento, para o bem e para o mal. Apesar de alguns problemas (para não falar nas quase evidências de corrupção), a cidade conseguiu fazer a lição de casa. Organizou uma belíssima cerimônia de abertura (para quem apostava esculhambações carnavalescas), apresentou algumas belas arenas, quase sempre com bom público, e garantiu um mínimo de segurança a turistas e delegações.

O Pan não é uma Olimpíada e tampouco uma Copa do Mundo, que exigiriam esforços muito maiores, mas foi mais do que suficiente para que se mudasse a pergunta que sempre precedia o desejo brasileiro de sediar esses eventos. Em vez de “o Brasil pode fazer?”, a questão que fica é “por que fazer?”.

Ainda não se sabe (aliás, como não se sabe?) quanto custaria a Copa do Mundo brasileira. Japão e Coréia teriam gasto cerca de R$ 14 bilhões. A Alemanha, que já tinha praticamente toda sua estrutura montada, investiu cerca de R$ 6 bilhões. O Pan do Rio custou quase R$ 4 bilhões. Não seria exagero projetar um investimento na casa dos R$ 20 bilhões para a Copa-2014. Não é pouco, ainda mais para um país com tantas necessidades em infra-estrutura de saneamento, moradia, transporte e logística.

Então, por que fazer?

Porque muita gente vai ganhar dinheiro com isso, claro. Mas também porque o Brasil, esse mercado “emergente”, parece sofrer da mesma mania de ascensão que contamina muita gente da classe média, que gasta o que não tem para ostentar um padrão de vida que a torce aceita pelo andar de cima. Gente que quer mostrar ser o que não é, que come sardinha e arrota caviar.

E não é segredo que esse tipo de gente acaba endividada, quebrada e, muitas vezes, rejeitada pelo grupo de que tanto quis fazer parte. O Brasil, que vislumbra a possibilidade de um novo ciclo de prosperidade, começa a dar sinais de que vai fazer (de novo)  as opções erradas – e assistir a um filme que, de novo, não tem nada.



Desconstrução by Eduardo Simões

Por que todo mundo diz que o Brasil perdeu a identidade com sua seleção de futebol se a Argentina –ok, vou falar bem deles—também tem uma maioria de atletas jogando na Europa, também só disputa amistosos na Europa, também vê seus craques saindo do campeonato local para a Europa cada vez mais novos e a gente não vê a imprensa Argentina dizendo que o time nacional não tem identidade com o país?

E essa história de direita ou esquerda, de destro e canhoto, de PT e PSDB, de DEM e de PSOL? Isso serve realmente para alguma coisa ou o inevitável e cruel destino é, depois de derrotas em três eleições presidenciais, a Heloísa Helena vencer o pleito de 2018, se tornar a primeira mulher presidente, todo mundo dizer que a mudança chegou e que a esperança venceu a medo para, logo no primeiro ano, todo mundo ver que era a mesma coisa?

Um Setúbal ou um Moreira Salles virar presidente do Banco Central, os “monetaristas” voltarem a triunfar sobre os “desenvolvimentistas”, os escândalos continuarem em profusão e uma ala de extrema esquerda do PSOL ser expulsa do partido para fundar uma nova legenda “guardiã do socialismo democrático” e propor CPIs e representações aos Conselhos de Ética aos milhões?

E a ação da Polícia e da Força Nacional de Segurança no Rio? Vai durar? Ou depois do Pan, todo mundo volta para casa e o morro volta ao controle dos traficantes? Não era mais fácil trocar ingressos na final do vôlei por uma trégua nos morros? Não morreria menos gente que não tem nada a ver com o tráfico?

E a atuação “republicana” e investigativa da Polícia Federal? Aliás, será que não estão banalizando a palavra “investigação”? Não seria melhor chamar de “grampeação”? Por que não mudamos a Constituição e não tornamos o grampo legal? Um órgão do governo ficaria encarregado de analisar os grampos de todos os brasileiro e por indiciar aqueles que são pegos no pulo. Desde o cidadão que admite que roubou um pãozinho até o mega corrupto usurpador dos cofres públicos. Seria a Grampobrás e, em seu estatuto, ficaria proibido a indicação de qualquer filiado do PMDB, o que diminuiria em 90 por cento as chances de ser loteada politicamente.

Aliás, e o Conselho de Ética? Quando vai ser merecedor do nome? Por que não, conselho de corporativismo? Ou esse nome deveria ser, na verdade, dado aos plenários das duas Casas do Parlamento?

E afinal, por que raios ainda discutimos a ditadura militar, os anos de chumbo? Por que mil demônios nos debatemos sobre quem foi bacana e quem foi feio, bobo, bocó e cara de fuinha naquele período, se aquele período já acabou há mais de 20 anos?

Se o caos nos aeroportos é o preço do sucesso, como disse o ministro da Fazenda, por que o “espetáculo do crescimento” não provocou um boom na venda de jatinhos?

Se o Catolicismo é a única maneira de salvação e a única religião de Cristo, como disse o papa, isso quer dizer que todo mundo que não for católico vai arder no inferno quando passar dessa para a pior (no caso, porque dizem que o inferno não é exatamente um lugar divertido)?

Será que não importa se você é uma pessoa correta, direita, honesta, cumpridora de seus deveres, ajuda o próximo quando pode, será que nada disso vale se você escolheu a religião errada? Quer dizer, se o cara é o santo na Terra e ele não escolheu “a única religião de Cristo”, ele vai arder nas chamas de Lúcifer?

Será que, além de ser honesto, não roubar, não matar, não cobiçar a mulher do próximo e todas essas coisas, o cara ainda tem que adivinhar qual a religião de Deus, qual a religião que Ele quer que sigamos? Se Deus é bom e misericordioso, por que todo mundo diz para as crianças: “se você não for um bom menino, Deus vai castigar”? Qual Deus é o da “verdadeira religião de Cristo”? O que multiplica os peixes para dar uma força para os pescadores, ou o que castiga as crianças que não se comportam direito?

Por que uma criança que morre ao nascer e, portanto não teve tempo de ser batizada, deve padecer o resto da eternidade no limbo? Que culpa ela tem por, ahn, vejamos, morrer ao nascer?

Por fim, será que um raio vai cair na minha cabeça nos próximos instantes, ou o chão vai se abrir sob meus pés ou terei o mesmo destino de Salman Rushdie ou José Saramago e serei condenado pelo que escrevi?

Se isso acontecer, vou fazer como Pedro. Não me sinto à altura de ser condenado à mesma coisa que esses caras muito mais legais, inteligentes e espertos do que eu. Crucifiquem-me de ponta cabeça.



Por que as tortilhas explicam nosso mundo by Gerson Freitas Jr.
2 maio, 2007, 11:51 am
Filed under: economia, Gerson Freitas Jr., globalização

Na semana passada, o governo do México anunciou a prorrogação de um acordo com os varejistas que estabelece o controle do preço das tortilhas no país.

A tortilha é uma espécie de pão de milho achatado, comido por aquelas bandas desde o tempo dos astecas, e está para o mexicano como o pãozinho francês está para nós.

O acerto entre o governo do presidente Felipe Calderón, liberal, e o setor privado tem o objetivo de conter a “revolta da tortilha”, como ficaram conhecidos os protestos de trabalhadores, camponeses e donas-de-casa, há alguns meses, contra o forte aumento do preço da tortilha.

Acontece que o valor da tortilha mexicana tem acompanhado a disparada nas cotações internacionais do milho, matéria-prima não apenas da tortilha, como de rações para animais e do etanol combustível. Etanol que, em tempos de aquecimento global e na esteira do fracasso no Oriente Médio, tornou-se uma prioridade nos Estados Unidos.

Apoiado por fortes subsídios do governo, dezenas de destilarias são construídas para atender a meta estabelecida por George W. Bush: aumentar em mais de seis vezes o consumo de etanol de seu país até 2017, passando dos atuais 20 bilhões de litros por ano para 132 bilhões. Com isso, as cotações do milho atingiram patamares históricos na Chicago Board of Trade, a Bolsa de Chicago.

Acontece que os Estados Unidos são o principal exportador de milho para o México. Depois de sua entrada no Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) e o fim dos subsídios à produção local, os mexicanos tornaram-se importadores do grão do qual dependem para a produção de seu alimento mais consumido – coisas do livre comércio.

 O resultado – curioso – é que a imensa população pobre do México está pagando mais caro por suas tortilhas por que os americanos estão colocando mais álcool em seus carros (!!!) 

E isso mostra (de forma mais didática do que as grandes crises internacionais dos anos 1990) como é estarmos todos no mesmo grande barco econômico global – e, é claro, quem paga a conta da viagem.



Sobre ser de esquerda ou direita by Gerson Freitas Jr.
2 março, 2007, 3:52 pm
Filed under: economia, Gerson Freitas Jr.

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Deixa esquentar by Gerson Freitas Jr.

Cá entre nós, você já deve estar cheio de assistir, ler e ouvir que a Terra está aquecendo por causa da fumaça que carros, indústrias e queimadas jogam no ar. Semana passada, não se falou em outra coisa – o Pólo Norte vai virar água, o mar vai subir, praias e cidades baixas podem desaparecer, a Amazônia vai virar um cerrado, tempestades vão ficar mais fortes…

O cenário catastrófico fez cair a ficha dos países de que é preciso fazer algo para conter os terríveis efeitos das mudanças climáticas. Efeitos esses que, aos poucos, já começam a ser sentidos.

O problema é que da consciência à ação há um oceano a ser atravessado. Há responsabilidades a se atribuir, concessões a fazer e interresses político-econômicos a se sobrepor.

Quando esses conflitos entram em jogo, a história mostra que questões consensuais deixam de ser consensuais. Ou a humanidade conseguiu, a despeito da boa vontade universal e todos os avanços econômicos e tecnológicos, acabar com a subnutrição das crianças ou impedir que milhões de pessoas ainda morram de malária na África Sub-Sahariana? 

E não vai ser diferente agora. Todos acham terrível o que está acontecendo com o Planeta, todos concordam que é preciso fazer alguma coisa, mas vai chegar a hora em que algum chato vai perguntar: “E aí, pessoal, quem vai pagar a conta?”. E, nesse momento, vai ter gente se calando, saindo de fininho, fingindo que não está ali.

É exatamente este o grande entrave do protocolo de Kyoto, o mais concreto esforço internacional para a redução das emissões de gás carbônico na atmosfera. Pelo tratado, os países industrializados têm de reduzir em 5% suas emissões de CO2 com base no que emitiram em 1990.

Os americanos, que respondem por um quarto de toda a fumaça jogada no ar e que, como diria minha mãe, não dão ponto sem nó, logo disseram: “só assinamos essa coisa se brasileiros, indianos, chineses e mexicanos assinarem também”.

É claro! Parar de jogar CO2 no ar implica em buscar outras fontes de energia, ainda mais caras que o petróleo e o carvão, investir em aumento de eficiência energética na indústria e, é claro, apagar algumas luzes também.

Trata-se de um ponto fundamental no mundo globalizado: competitividade. O empresário americano pára, faz as contas e vai investir na China, onde pode queimar carvão à vontade. Logo, os americanos pedem isonomia nesta discussão.

Os países em desenvolvimento, por outro lado, vão argumentar que Inglaterra e Estados Unidos poluem a atmosfera desde a Revolução Industrial, que as partículas de carbono levam séculos para desaparecer e que, portanto, eles são disparados os maiores culpados pelo estrago.

Essa turma vai lembrar ainda que o consumo per capita de energia de um americano é sete vezes maior do que o de um brasileiro. E, por fim, vai jogar na cara que, a despeito de todo o moralismo ambiental, a queima de combustíveis fósseis foi a base do desenvolvimento do ocidente rico – e atire a primeira pedra quem não gosta de ter luz em casa, de viajar em seu carro, de tomar um banho bem quente. Aliás, você já pensou em quanta energia tem armazenada em sua cerveja beeeeeem gelada?

Por isso, condenar os países em desenvolvimento que são ricos em combustíveis fósseis, como Índia e China, a não queimá-los é negar-lhes um pouco do que os países industrializados usaram e abusaram para chegar aonde chegaram. 

O resultado desse impasse vai ser conhecido em 2012, quando será discutida a segunda fase do Protocolo de Kyoto. Nesse momento, China, Índia e Brasil podem se ver obrigados a reduzir suas emissões e assegurar que os países desenvolvidos não tenham prejuízo com a limpeza de sua matriz energética.

De minha parte, peço desculpas pela falta de consciência ecológica, que americanos e europeus paguem a conta. É uma questão de pragmatismo. Quem sujou, que limpe. Quem sempre gastou muito, que economize.

No entanto, é bem provável que o aquecimento vá ter o mesmo destino das outras grandes causas universais, como as que envolvem a fome, a guerra, a Aids e até o livre-comércio. Vai ficar na discussão. Prevejo, contudo, pelo menos duas conseqüências práticas: 1) vão crescer as campanhas para salvar o urso polar da extinção e 2) vão explodir as vendas de ar condicionado.



As contradições do PAC by Gerson Freitas Jr.
30 janeiro, 2007, 4:00 pm
Filed under: economia, Gerson Freitas Jr., jornalismo

A semana passada foi pródiga para quem queria entender um pouco sobre a esquizofrenia econômica (ou do pensamento econômico) no Brasil. A principal notícia veio na segunda-feira. Para acabar com as expectativas alimentadas havia quase dois meses, o governo Lula finalmente lançou seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que promete injetar um pouco de adrenalina nas cansadas veias do PIB nacional. 

Não faltou gente para dizer que o projeto é tímido – e é mesmo – por uma série de boas razões. A melhor explicação foi a de Melchíades Filho, da Folha de S. Paulo. Com o PAC, diz, “o governo promete fazer o que já é feito, investir o que não tem e renunciar àquilo que não arrecada”. Ou seja, o PAC não fede, nem cheira, não ajuda, nem atrapalha.

Para os menos pessimistas, há pelo menos um avanço retórico em voltar a falar de crescimento econômico no Brasil, como se já não ouvíssemos sobre “espetáculos do crescimento” há algum tempo. 

O problema do PAC é que ele nasceu morto. Mentira! Nasceu na segunda, viveu quase dois dias, e foi morto na noite de quarta-feira. Depois de ter seu presidente enquadrado no lançamento do programa de crescimento, o Banco Central, a despeito de toda a expectativa positiva, resolveu reduzir o tamanho do facão e cortar em apenas 0,25 ponto percentual a maior taxa básica de juros do mundo. Na verdade, pouco importa tamanho da queda, mas o efeito psicológico que ela proporciona. Um recado do tipo: “Aqui mandamos nós, caso vocês ainda não saibam”.

O PAC é um arremedo de política desenvolvimentista – aquela em que o Estado persegue o crescimento e, para isso, participa da economia por meio de políticas setoriais e investimentos diretos em infra-estrutura – lançado dentro de uma matriz econômico-ideológica liberal e monetarista, na qual o Estado deve ficar longe da atividade econômica e se limitar – por meio de um banco central independente, se possível – a regular a oferta de moeda no mercado para que haja estabilidade. 

São dois modelos, duas filosofias, duas concepções de Estado que não cabem dentro da mesma política econômica. Caso contrário, você tem uma situação a que muito em breve vamos assistir.

De um lado, o governo prometendo uma política expansionista, com aumento dos investimentos e dos gastos (não seriam também investimentos?) sociais. De outro, a autoridade monetária aumenta a taxa de juros, tirando dinheiro do mercado, reduzindo investimentos privados e públicos, aumentando o endividamento público e, consequentemente, comprometendo ainda mais o já deteriorado quadro fiscal. E é aí que a conta brasileira não fecha.

Como que deitado em um divã, assistido pelos doutores Keynes e Friedman, o País se vê dividido entre dois pensamentos, com o id desenvolvimentista e um superego monetarista. É o que impediu o país de abraçar integralmente as reformas liberais dos anos 90, vendidas ao país como passaporte para a era da modernidade, e de largar de vez a velha política expansionista, rotulada de atrasada. 

Enquanto não for capaz de decidir seu caminho de forma soberana e adotar políticas convergentes com essa opção, o Brasil vai continuar assistindo a taxas de crescimento medíocres, tão medíocres quanto aos programas apresentados para acelerá-las.



A grande notícia by Gerson Freitas Jr.
12 dezembro, 2006, 2:24 am
Filed under: economia, Gerson Freitas Jr., sociedade, Uncategorized

Em dias em que falta inspiração, e não são poucos, o ofício de preencher este espaço me obriga a abrir os jornais em busca de algo que chame a atenção e mereça algumas linhas de reflexão.  Não que jornalistas não leiam os jornais todos os dias – acreditem, eles lêem! -, mas o marasmo de alguns períodos faz com que uma releitura muito, mas muito apurada seja necessária.

Acontece também o contrário, como na última semana, e o desafio passa a ser o de selecionar o fato mais importante – pelo menos na ótica do autor, é claro – dentre vários outros relevantes. De posse da “grande notícia”, depois de alguns minutos (horas, creio) regados a café preto, bom exercício mental e muita paciência, temos o resultado…  

Pois bem. A grande notícia da semana passada bem que poderia ter sido a reeleição de Hugo Chávez, no domingo, por tudo pode representar para o cenário político latino-americano. No entanto, a informação mais relevante saiu na quarta-feira e passou quase despercebida, como, volto a dizer, costumam passar as notícias que realmente importam: de acordo com a ONU, os 2% mais ricos do planeta possuem 50% de toda a riqueza mundial.

A grande notícia da semana poderia ter sido a rejeição das contas de campanha do presidente Lula por parte do TSE, que quase me fez perder o sono com a pergunta que insistia: “de onde vem o dinheiro, de onde vem o dinheiro?”. Mas, cá entre nós, o que realmente conta é que 1% dos adultos mais ricos do mundo é dono de 40% dos ativos mundiais, enquanto 10% desse grupo possui 85% de toda a riqueza.

A grande notícia da semana poderia ter sido a crise nos aeroportos brasileiros, símbolo de um país que, a despeito de quaisquer esforços retóricos, dá demonstrações de que não está pronto para crescer. Mas acho realmente que, mais importante do que o calvário dos pobres passageiros, é saber que, para integrar o clube dos 10% mais ricos do mundo, você não precisa de mais do que US$ 61 mil em ativos e que, mesmo assim, 90% dos 6 bilhões de habitantes do planeta estão de fora da festa.

A grande notícia da semana poderia ter sido a aprovação do tão falado Fundeb, o novo fundo para financiar a educação das criancinhas no Brasil, ou o fim da cláusula de barreira, que mantém a festa do pluripartidarismo no país da falta de idéias. Mas achei realmente ainda mais importante a constatação de que 90% da renda mundial está concentrada em América no Norte, Europa  e países de alta renda Ásia-Pacífico. Os outros 10% são rateados entre a América Latina, África e a grande parte da Ásia.

A grande notícia da semana poderia ter sido a de que Fidel Castro pode não durar até o natal (seguindo os passos do chileno Pinochet, em que pesem as diferenças) e que Hugo Chávez, a quem muitos vêem como um sucessor de Castro, já ensaia uma aproximação dos Estados Unidos, que isolaram Cuba e o povo cubano do resto do mundo.
 
Mas a grande notícia, caro leitor, é que um estudo pioneiro da ONU mostrou, em números, que o mundo globalizado, que democratizou os sonhos de consumo entre os povos, ainda não globalizou a renda. Antes, segue brutalmente desigual, dividido entre poucos milionários e bilhões de famintos, entre dominadores e dominados, entre 2% que detém metade de um bolo e 98% que brigam pelo resto.

A grande notícia é que, no ápice do capitalismo e da superação de seus obstáculos, os ricos nunca foram tão ricos. E os pobres, nunca tão pobres. A grande notícia, senhores, é que quase ninguém dá a mínima para isso…